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Atualidades com Marcello Amorim

O trajeto precursor do ressurgimento da censura no Brasil

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O trajeto precursor do ressurgimento da censura no Brasil

Quem ainda nutria algum tipo de dúvida sobre o ânimo censor que move os ministros do Tribunal Superior Eleitoral nestas eleições passa a ter apenas certezas depois da mais recente decisão contra a impressa, a liberdade de expressão e a democracia de direito.

Os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral entraram em um dos poucos territórios ainda por desbravar no campo dos ataques à liberdade de expressão neste pleito de 2022: o da censura prévia, que ressuscita os tempos sombrios da ditadura militar.

Todos os brasileiros de bem estão aturdidos com a decisão do TSE em restringir a Jovem Pan de tratar de fatos envolvendo a condenação do candidato do PT à Presidência, senhor Luiz Inácio Lula da Silva.

Tudo isso porque, num pedido feito pela Coligação Brasil da Esperança a Justiça Eleitoral, ela determinou a retirada do ar de peças publicitárias de campanha eleitoral, feita por adversários, com a temática “Lula defende o crime” e “Lula mais votado em presídios”.

Ainda assim, vemos de maneira devassada o Art. 220, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil sendo desmoralizada, uma vez que “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Redizemos, nossa constituição veda explicitamente a censura de natureza política, ideológica ou artística. Sendo assim, a censura, é instrumento de controle de regimes autoritários. Em que país você quer viver? Talvez se em 2020 tivesse havido a autorização do Congresso em criar o ‘Lava toga’, hoje nossa soberania popular não estivesse ofendida.

Aos que estão gritando contra a censura hedionda do TSE, a pergunta é: o que vamos fazer? Assumamos que nossos legisladores deram poderes absolutos a um Tribunal Eleitoral. Que isso só parará quando de fato quisermos. Somos nós que mantemos um Congresso de equívocos em aplicação de leis, ambíguo e impreciso. E vejam que no último dia 3 de agosto, comemorou-se o fim da censura no Brasil e o retorno da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e comunicativa. Isso se deve ao fato de que foi nesse dia, em 1988, que foi votado o texto da Constituição que trata desse tema.

Esses fatos cotidianos hoje no Brasil parecem que traz saudade a muitos, do tempo de censura que havia vigorado como política de controle durante o Regime Militar (1964-1985), que aplicava a censura às diversas esferas da sociedade, desde a prática do jornalismo até festivais de música, teatro etc. Frequentemente, além do controle da liberdade de expressão, esses órgãos acabavam também por colaborar com outros departamentos – sobretudo departamentos de inteligência das polícias e do Exército – que tinham o objetivo de capturar e obter informações, muitas vezes por meio de tortura, de indivíduos que tivessem ligação com grupos revolucionários.

Notícias, músicas, festivais, obras artísticas, livros, aulas escolares e universitárias, tudo era passível de censura e controle do Estado. Além disso, todas as omissões de dados, documentos e informações por parte do regime também são exemplos da censura política e institucional da época.

Foi no texto dessa Carta Magna de 1988 que ficaram garantidos os principais direitos e os deveres dos cidadãos e das instituições brasileiras. Entre esses direitos está o da liberdade de expressão, cujo texto, como dissemos, foi votado em 3 de agosto daque mesmo ano. Se abrirmos a Constituição Federal do Brasil em seu Capítulo I, intitulado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, veremos que no título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, há a seguinte resolução no inciso IX do Artigo 5º: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

É contraditório, em meio ao enorme avanço do mundo digital e das mídias que o permeiam, muitos pilares da sociedade em que vivemos, até então, inquestionáveis, estão sendo colocados em dúvida. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) ao lado do STE – fora das suas atuações primaria, geram censura e ação de controlar qualquer tipo de informação, gerando repressão à imprensa, entendida como uma restrição, alteração ou proibição imposta às obras que são submetidas a um exame oficial, com base em preceitos morais, religiosos ou políticos – está apontando incertezas sobre nossa democracia atual e as liberdades que ela assegura. São os ‘togados da moralidade’ que cometem o crime impedindo que as redes sociais, as mídias ou os debates políticos se cumpram no esteio da sociedade.

O STF também é antinômico do ponto de vista do Direito Constitucional, quando agem contra todo procedimento o qual visa impedir a livre circulação de ideias contrárias aos interesses dos detentores do Poder Político, isto é, geram cerceamento de informação ou mensagem, em prol de interesses particulares. Sendo assim, tal prática está inteiramente ligada aos direitos fundamentais de liberdade de expressão e de imprensa, visto que a censura funciona justamente como uma limitação desses direitos.

Essa trajetória censurável que se quer criar no Brasil remota ao Brasil Colonial, onde se teve uma das primeiras formas de censura implantadas no país com a proibição de cultos e rituais de religiões não católicas, principalmente de religiões indígenas, as quais eram muito comuns entre os povos nativos no século XVI. Além de tal privação, nos primeiros séculos da colônia portuguesa no Brasil, apenas materiais da imprensa da Coroa Portuguesa eram permitidos, o que facilitava o amplo controle de informações por parte dos governantes e dificultava possíveis levantes populares.

Existe agora um fantasma da censura na democracia atual. Nos últimos anos tal assunto voltou a ganhar espaço nas mídias, nas redes sociais e nos debates políticos, principalmente no que tange ao debate sobre existir ou não alguma forma de censura em funcionamento no Brasil atualmente. Um dos motivos para a ascensão desse tema é a crescente agressão aos jornalistas, visto que, conforme um levantamento da Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas), os casos de violência contra tais profissionais cresceram cerca de 105%, de 2019 a 2020 – mais que o dobro – e, muitos deles, envolvendo importantes autoridades do cenário político atual.

O monstro da censura é conhecido dos brasileiros e está de volta, não por artes de um regime militar, fora de tempo e de lugar, mas porque ministros do STF, espontaneamente, sem serem provocados, resolveram trazê-la para o convívio dos citadinos outra vez. E se é autorizado pela Suprema Corte, o que se pode fazer? Este é o grande impasse. Recorrer a quem depois de proibido pelo STF? Voltou quem nunca tinha ido embora, de fato. Desde a República, a censura vai até a porta, sai para dar uma voltinha, respira um ar fresco ela também e depois volta.

Para alguns amigos que consultei, a censura faz que vai embora, mas não vai, porque restam o consolo e a alegria de saber que depois do desfastio é dela que o Brasil gosta mais. O brasílico medíocre não quer saber de censura e abomina quem a pratica, mas quando ela prejudica os adversários políticos ninguém parece se importar, além deles.

É preocupante a escalada de decisões judiciais que interferem na programação das emissoras, com o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões. As restrições estabelecidas pela legislação eleitoral não podem servir de instrumento para a relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, princípios de nossa democracia e do Estado de Direito.

No momento em que estamos no pleno centenário do Rádio no Brasil, é preocupante os atos que atingem o trabalho da livre imprensa. A recente decisão que impede o trabalho de divulgação e respeito à linha editorial de veículo de comunicação profissional, sediado no Brasil e regulado pela legislação brasileira atinge a todo o setor de Radiodifusão. Tal ato ignora a história da Televisão e do Rádio que esse ano comemoram 72 e 100 anos, respectivamente.

O que se espera, no mínimo, é que as Cortes Maiores respeitem a história dos veículos de comunicação profissionais sediados em nosso país. Precisamos reiterar nossa defesa irrestrita da democracia e assim, fazer nascer o repudio a qualquer tipo de censura à liberdade de imprensa e de expressão.

Esse posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral é um posicionamento contra a liberdade de expressão que de certa forma prejudica o livre jogo democrático que é tão necessário nas eleições e que vai ser objeto de uma judicialização até no Supremo Tribunal Federal.

A Justiça Eleitoral talvez na tentativa de estabelecer o jogo democrático acaba se colocando como alvo, o que é ruim. Na verdade, vemos o enfraquecimento das instituições para a opinião pública, isso é repulsivo. Quem sabe não seja o momento de o TSE trazer decisões que sejam mais de apaziguar, e não de animar ainda mais esse debate eleitoral nesse momento de tensão e polarização que vivemos.

Com todo respeito, o ministro Alexandre de Moraes virou um exímio inventor de novas estratégias de censura, e isso abre um precedente muito perigoso, ao incentivar o Estado a legislar sobre a liberdade de expressão do cidadão e o conteúdo criativo das marcas. Com ele, a cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica e a eclosão de um escândalo. Mal se está comentando um evento e esse já é eclipsado por outro numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática por trás dos absurdos promovido pelo ‘senhor das togas’.

Que não haja uma anarquia, uma trajetória precursora do ressurgimento da censura no Brasil. Até porque, nem todos sabemos como a censura começa, mas certamente todos podemos imaginar como é que termina. Se deixamos implícito que a censura aos outros não é conosco, quando chegar a nós não será com eles. E talvez seja tarde demais.

Marcello Amorim