Atualidades com Marcello Amorim
Amazonas: A nova geografia da fome e da pobreza
Tive acesso a história de um casal da zona leste da capital amazonense, melhor, da Comunidade da Fé 3, no bairro Colônia Antônio Aleixo. Ele, com 33 anos, Diego Palheta Moreira e Elcy Freitas, de 37 anos.
Eles vivem em uma casa de apenas um cômodo, feita de compensado. Ambos vivendo o infortúnio social cada vez de mais largueza, onde sentem na pele as agruras do que é viver com escassa ou quase nenhuma renda, há não ser a remuneração de R$ 400 do Auxílio Brasil.
Para aliviar a pouquidade, Diego e Elcy vendem chinelos bordados com miçangas, que, segundo ele, uma sandália vendida já significa muito para o casal, que pode conseguir até R$ 30 reais. Valor esse que é priorizado para as refeições simples e que impedem ao casal a devanear de forma abundante com um venturo animador.
De acordo com o levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas Social, divulgado recentemente e intitulado ‘Mapa da Nova Pobreza’, a realidade de Diego Palheta Moreira e Elcy Freitas é a mesma para milhares de amazonenses que estão à beira da extrema pobreza. O Amazonas hoje é o segundo estado brasileiro com maior número de pessoas vivendo nesta situação. Em números, o contingente de pessoas que vivem abaixo 40% do salário mínimo é de 51,42% da população total no Amazonas. Registro de 2021.
Nosso país, de modo geral, já figura e perfaz um crescimento da pobreza de 62,9 milhões de brasileiros em 2021, cerca de 29,6% da população total do país, mais vidas que a população da Itália de novos pobres surgidos ao longo da pandemia.
A sociologia e a antropologia nos dizem que a pobreza é entendida como um fenômeno social determinado pela falta de condições adequadas da produção e reprodução da vida material imposta pela desigualdade social típica da concentração de riquezas e dos conflitos entre as classes que são características do capitalismo. Ou seja, nesse modelo de sociedade, sempre haverá um pequeno grupo de pessoas muito ricas e um grande grupo de pessoas muito pobres, pois para que uns poucos concentrem a riqueza, muitos não terão acesso às condições básicas de sobrevivência – inquestionável realidade -, quase sempre.
Vimos que um dos principais problemas que geram a pobreza no Brasil é o resultado direto da aceitação, por parte dos governantes, da condição de subalternidade política e econômica a que o país foi submetido ao aderir ao modelo de desenvolvimento hegemônico imposto pelos países de capitalismo central. Infaustamente, nossa nação adotou um modelo de desenvolvimento pautado na servidão e sujeição econômica, que não aproveita as suas potencialidades de geração de riquezas em prol da população, pois está comprometido com os interesses econômicos externos. Modelo político de décadas.
Nossa vivencia aflige-se ainda mais no processo modelar de pouco investimento feito na geração de ciência e tecnologia no país que possa tornar o Brasil mais competitivo nas relações econômicas globalizadas. Exemplo condenável ainda, é o que decorre da congruência capitalista que está ligado ao agronegócio, pois os produtores preferem vender para outros países e obter maiores lucros, do que vender mais barato para os nossos cidadãos, que acaba consumindo produtos de qualidade ínfero e, assim lamentavelmente, são jogados por causa da ganancia na máxima mendicância, na inação alimentar, na orexia social e na fome.
Essa insaciabilidade agora também em Manaus, que já foi uma cidade pacata no meio da selva. Que, é claro, a natureza está aqui pertinho, seja nos parques preservados, como a Reserva Florestal Adolpho Ducke e o Bosque da Ciência, seja no calçadão revitalizado da Ponta Negra, onde o belíssimo Rio Negro abraça a nossa cidade convidando para um passeio na orla. Só que dos tempos áureos da borracha, onde restou o esplendor de construções históricas como o impressionante Teatro Amazonas e o Mercado Municipal, hoje temos o problema em relação com a expansão urbana da capital amazonense – uma metrópole de mais de 2,3 milhões de habitantes –, que se deu sem o mínimo de planejamento, e já mostra os sintomas de um centro urbano que tem muitos pobres e miseráveis
Assim, identificamos e refletimos o ‘arrastão da pobreza’ numa capital com a quase total ausência do poder público, refletida nas sucessivas gestões que não priorizaram políticas públicas estruturantes, especialmente em relação à habitação, saneamento básico e mobilidade urbana e isso, associado aos altos índices de desemprego, reflete diretamente nos índices de pobreza da população, onde os atuais dirigentes do estado e da capital, tentam conter esses danos herdadas.
Precisamos agir rápido, buscar uma possível solução para o problema da pobreza no Brasil, criando políticas públicas pautadas nos conhecimentos científicos que possibilitem novas formas de organização da sociedade, substituindo esses auxílios governamentais e distribuição de renda modesta que, como o nome já diz, são sempre ‘ações emergenciais’ e não solução definitiva de combate à pobreza.
A solução não é somente política ou de modelo social pautado ou não no capitalismo, mas sim, uma reconstrução de valores e princípios capazes de atender às demandas da sociedade. É certo que é um processo de médio e longo prazo, de mudança de mentalidade, que vai envolver uma ou mais geração, mas que, quanto mais se demora a iniciar, mais a pobreza vai continuar levando padecimento para a nossa gente.
A solução está alicerçada em uma crença social de bem estar para todos. Por isso acreditamos em um ‘template social’ das antigas civilizações que respeitavam a relevância da fé cristã no tratar com a política, a economia, a beleza, a família. Que traz até os dias de hoje princípios para líderes, homens de negócios e membros influentes da sociedade por todos os continentes do mundo. O monge agostiniano e professor de teologia germânico Martinho Lutero dizia que um evangelho que não confronta os problemas de sua época não é o verdadeiro evangelho.
(continua…)