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Apoiadores de Bolsonaro fazem cerco à capital do Brasil
Milhares de apoiadores do ex-presidente deposto do Brasil, Jair Bolsonaro, invadiram o Congresso, a Suprema Corte e os escritórios presidenciais do Brasil no domingo para protestar contra o que eles alegam falsamente ter sido uma eleição roubada, o culminar violento de anos de teorias da conspiração avançadas por Bolsonaro e sua direita -alias aliados.
Em cenas que lembram a invasão do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro, manifestantes em Brasília, capital do Brasil, envoltos em amarelo e verde da bandeira do Brasil, invadiram a sede do poder, ateando fogo, reaproveitando barricadas como armas, derrubando policiais de a cavalo e filmando seus crimes enquanto os cometiam.
“Sempre dissemos que não desistiríamos”, declarou um manifestante enquanto se filmava entre centenas de manifestantes entrando no prédio do Capitólio. “O Congresso é nosso. Estamos no poder.”
Durante meses, os manifestantes exigiam que os militares impedissem que o recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomasse posse em 1º de janeiro. Muitos da direita no Brasil estão convencidos, apesar da falta de provas, de que a eleição de outubro foi manipulado.
Durante anos, Bolsonaro afirmou, sem qualquer prova, que os sistemas eleitorais do Brasil estavam repletos de fraudes e que as elites do país estavam conspirando para removê-lo do poder.
Lula disse no domingo que essas falsas alegações alimentaram o ataque à praça, conhecida como Praça dos Três Poderes, por causa da presença dos três poderes do governo. O Sr. Bolsonaro “desencadeou isso”, disse ele em um discurso à nação. “Ele estimulou ataques aos três poderes sempre que pôde. Isso também é responsabilidade dele.”
No final do domingo, Bolsonaro criticou os protestos, dizendo no Twitter que manifestações pacíficas fazem parte da democracia, mas que “destruições e invasões de prédios públicos, como ocorreu hoje”, não. Mas ele também rejeitou as acusações de Lula, dizendo que eram “sem provas”.
Em sua posse, Lula disse que unir o Brasil, o maior país da América Latina e uma das maiores democracias do mundo, seria um objetivo central de seu governo. A invasão da capital sugere que as divisões do país são mais profundas do que muitos imaginavam e coloca o novo presidente diante de um grande desafio em apenas uma semana de governo.
Após a posse de Lula, os manifestantes fizeram chamadas online para que outros se juntassem a eles em uma grande manifestação no domingo. Rapidamente se tornou violento.
Centenas de manifestantes subiram uma rampa até o telhado do prédio do Congresso em Brasília, capital, enquanto um grupo menor invadiu o prédio de um andar inferior, segundo testemunhas e vídeos da cena divulgados nas redes sociais. Outros grupos de manifestantes se dividiram e invadiram a sede da presidência e o Supremo Tribunal Federal, que ficam na mesma praça.
A cena era caótica.
Os manifestantes invadiram os prédios do governo, que estavam praticamente vazios em um domingo, quebrando janelas, virando móveis e saqueando itens dentro, de acordo com vídeos que publicaram online.
As multidões gritavam que estavam tomando seu país de volta e que não seriam detidas. Em menor número, a polícia disparou o que parecia ser balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo, inclusive de dois helicópteros acima.
“A polícia está covardemente tentando expulsar o povo do Congresso, mas não tem como, porque ainda mais estão chegando”, disse um manifestante em um vídeo filmado de dentro do Congresso e mostrando centenas de manifestantes em vários andares. “Ninguém está tomando nosso país, droga.”
Eventualmente, soldados do Exército Brasileiro ajudaram a retomar o controle de alguns prédios.
Lula, que não estava em Brasília durante a invasão, emitiu um decreto de emergência até 31 de janeiro que permite ao governo federal tomar “todas as medidas necessárias” para restabelecer a ordem na capital. “Não há precedentes para o que essas pessoas fizeram e, por isso, essas pessoas devem ser punidas”, disse ele.
O presidente, que chegou à capital no final do dia para inspecionar os estragos, disse que seu governo também vai investigar quem pode ter financiado os protestos.
O Sr. Bolsonaro parecia estar na Flórida. Ele voou para Orlando nos últimos dias de sua presidência, na esperança de que sua ausência do país ajudasse a esfriar as investigações sobre sua atividade como presidente, segundo um amigo do presidente que falou sob condição de anonimato para descrever conversas privadas. Ele planejava ficar na Flórida por um a três meses, disse essa pessoa.
O que consideramos antes de usar fontes anônimas. As fontes conhecem a informação? Qual é a motivação deles para nos contar? Eles se mostraram confiáveis no passado? Podemos corroborar a informação? Mesmo com essas perguntas satisfeitas, o The Times usa fontes anônimas como último recurso. O repórter e pelo menos um editor conhecem a identidade da fonte.
Bolsonaro nunca admitiu inequivocamente a derrota na eleição, deixando para seus assessores a responsabilidade pela transição de poder e pulando a posse, onde deveria passar a faixa presidencial para Lula, um importante símbolo da transição de poder para um país que viveu sob uma ditadura militar de 21 anos até 1985.
Após a eleição, ele disse que apoiou protestos pacíficos inspirados por “sentimentos de injustiça no processo eleitoral”.
Mas antes de partir para a Flórida, Bolsonaro sugeriu a seus partidários que se mudassem. “Vivemos em uma democracia ou não”, disse ele em uma declaração gravada. “Ninguém quer uma aventura.”
Suas ligações foram ignoradas.
No dia seguinte, milhares de seus apoiadores permaneceram acampados em frente ao quartel-general do Exército em Brasília, muitos convencidos de que os militares e o Sr. Bolsonaro estavam prestes a executar um plano secreto para impedir a posse do Sr. Lula.
“O Exército vai intervir”, disse Magno Rodrigues, 60, ex-mecânico e zelador, em entrevista em 31 de dezembro, um dia antes da posse de Lula. Ele estava acampado fora do quartel-general do exército por nove semanas e disse que estava preparado para ficar “pelo resto da minha vida, se for preciso”.
Um dos desafios centrais do Sr. Lula como presidente será unificar a nação após uma eleição amarga em que alguns de seus apoiadores enquadraram o Sr. Bolsonaro como genocida e canibal, enquanto o Sr. Bolsonaro repetidamente chamou o Sr. Lula de criminoso. (O Sr. Lula cumpriu 19 meses de prisão por acusações de corrupção que mais tarde foram rejeitadas.)
Pesquisas mostraram que uma parcela considerável da população diz acreditar que Lula roubou a eleição, alimentada por falsas alegações que se espalharam pela internet e um afastamento entre muitos eleitores de direita das fontes tradicionais de notícias – problemas que também têm atormentou a política americana nos últimos anos.
O presidente Biden, que estava visitando a fronteira sul dos EUA, chamou os protestos de “ultrajantes” e Jake Sullivan, seu conselheiro de segurança nacional, disse que os Estados Unidos “condenam qualquer esforço para minar a democracia no Brasil”.
“Nosso apoio às instituições democráticas do Brasil é inabalável,” Sr. Sullivan escreveu no Twitter. “A democracia brasileira não será abalada pela violência.”
Alguns provocadores de extrema direita nos Estados Unidos, no entanto, aplaudiram os ataques, postando vídeos dos tumultos e chamando os manifestantes de “patriotas” que tentavam defender a Constituição brasileira. Steve Bannon, ex-assessor do presidente Donald J. Trump, chamou os manifestantes de “lutadores brasileiros pela liberdade” em uma postagem nas redes sociais. O Sr. Bannon teve laços estreitos com um dos filhos do Sr. Bolsonaro.
A princípio, os desordeiros tiveram relativa facilidade para invadir os prédios. Policiais estaduais tentaram contê-los, mas eles estavam em menor número. As manifestações foram amplamente divulgadas nas redes sociais durante dias.
“Foi assustador, foi uma loucura”, disse Adriana Reis, 30, faxineira do Congresso que presenciou a cena. “Eles tentaram muito, com spray de pimenta, expulsá-los, mas acho que a polícia não conseguiu lidar com todos eles.” Depois que os manifestantes chegaram, “fugimos para nos esconder”, disse ela.
Vídeos de dentro do Congresso, da Suprema Corte e dos gabinetes presidenciais rapidamente preencheram feeds de mídia social e bate-papos em grupo, mostrando manifestantes usando sua bandeira nacional e marchando pelos corredores do poder, sem saber exatamente o que fazer a seguir.
Eles se sentaram nas cadeiras acolchoadas da Câmara dos Deputados, vasculharam a papelada nos gabinetes presidenciais e posaram com um brasão de ouro que parecia ter sido arrancado da parede dos aposentos do Supremo Tribunal Federal. Funcionários federais posteriormente distribuíram imagens e vídeos dos gabinetes presidenciais que mostravam computadores destruídos, arte arrancada de molduras e estojos de armas de fogo que haviam sido esvaziados.
Os manifestantes estavam saqueando edifícios que foram aclamados como joias da arquitetura modernista. Projetado pelo célebre arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer na década de 1950, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, apresenta colunas de concreto revestidas de mármore branco que ecoam o esvoaçar de um lençol ao vento. E o Congresso é conhecido por ser coberto por uma cúpula, sob a qual o Senado está localizado, e uma espécie de tigela, sob a qual a Câmara está localizada.
Fora dos gabinetes presidenciais, eles hastearam a bandeira do Império Brasileiro, período do século 19 antes do Brasil se tornar uma democracia, e cantaram o hino nacional do Brasil. Vídeos do tumulto mostraram muitos manifestantes com telefones no alto, filmando a cena.
“Não há como parar as pessoas”, declarou um manifestante enquanto transmitia ao vivo centenas de manifestantes atacando o telhado do Congresso. “Inscrevam-se no meu canal, pessoal.”
Vários meios de comunicação disseram que seus jornalistas foram atacados e roubados durante os distúrbios. E Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial de Lula, teve seu passaporte e mais de US$ 95 mil em equipamentos roubados de uma sala do gabinete presidencial, segundo sua esposa, Cristina Lino.
No final da tarde, os caminhões militares chegaram.
Soldados armados entraram nos escritórios presidenciais por uma porta dos fundos para emboscar os manifestantes lá dentro. Pouco depois, os manifestantes começaram a sair do prédio, alguns deles escoltados por policiais.
Por volta das 21h, mais de sete horas após o início das invasões, o ministro da Justiça do Brasil, Flávio Dino, disse que os prédios haviam sido desocupados. Ele disse que as autoridades prenderam pelo menos 200 pessoas. O governador de Brasília disse que o número de prisões ultrapassou 400.
Valdemar Costa Neto, chefe do Partido Liberal de direita de Bolsonaro, criticou os manifestantes.
“Hoje é um dia triste para a nação brasileira”, disse ele em comunicado. “Todas as manifestações ordenadas são legítimas. A desordem nunca fez parte dos princípios de nossa nação”.
A bandeira brasileira pendurada em torno de muitos dos manifestantes no domingo inclui três palavras: “Ordem e progresso”.
A reportagem foi contribuída por Ana Ionova, Yan Boechat, Leonardo CoelhoLaís Martins e Gustavo Freitas.